AS NECESSÁRIAS TRANSFORMAÇÕES NAS ENTIDADES ESPORTIVAS BRASILEIRAS

AS NECESSÁRIAS TRANSFORMAÇÕES NAS ENTIDADES ESPORTIVAS BRASILEIRAS

Finalizado em 11 de outubro de 2019, às 05h20min
Aracaju, Sergipe, Brasil.

A recente crise vivida pelo clube catarinense, Figueirense Futebol Clube, chamou a atenção do cenário brasileiro do desporto, principalmente do futebol, para o modelo ideal de gestão a ser adotado. Sabe-se que o esporte brasileiro necessita de amplo debate para seu melhoramento, vide: a quantidade de dívidas acumuladas por clubes; as más gestões percebidas nas instituições esportivas; a quantidade de processos judiciais acumulados, principalmente na seara trabalhista; o sucateamento de praças esportivas; a violência nos eventos esportivos e as consequências para os clubes; a decadência das Leis vigentes; a falta de profissionalização dos Árbitros, enfim.

No ano de 2017, o Figueirense fez uma parceria com uma sociedade empresária S/A com a promessa de revolucionar o futebol catarinense e, até mesmo, o brasileiro. O compromisso da S/A era gerir o futebol do time, alinhando o ganhar títulos com viabilizar as finanças do clube. Logo, no ano seguinte ao surgimento da parceria, foi campeão estadual. Porém, dois anos após a operação, o clube apresenta um cenário avesso ao firmado, com Presidente afastado por intervenção judicia, jogadores com salários atrasados, as dívidas majoraram, aumento do passivo trabalhista, aparecimento de contratos suspeitos, time levando WO no campeonato da série B do Brasileirão cujo, nele, amargura a última colocação. O que seria importante atentar para não cair na mesma cilada?

Imprescindível estudar as Leis vigentes, as quais regem o desporto brasileiro, e aquelas que se correlacionam com o tema, com destaque a Leis 9.615 de 1998, mais conhecida como Lei Pelé, a 9.532/97, que normatiza as isenções tributárias no modelo associativo, a CLT, além de se debruçar sobre as alterações propostas a cerca da matéria que tramitam no Congresso Nacional.

Com relação às mudanças legislativas, destacam-se o Projeto de Lei (PL) 68/2017, do Senado Federal (versa, principalmente, sobre unificar legislação esportiva, o clube-empresa, a corrupção no esporte, a profissionalização dos árbitros), a PL 5082/2016, da Câmara Federal (com abordagem mais destacada na criação das SAF’s - Sociedades Anônimas do Futebol) e, ainda, o anteprojeto, sob a responsabilidade do Deputado Federal Pedro Paulo (DEM/RJ), em elaboração, porém, o texto previamente apresentado mostra-se insuficiente.

Outro ponto importante é observar a natureza jurídica das entidades desportivas brasileira, identificar os benefícios e os impeditivos do seu modelo e suas peculiaridades. Logo, a maioria delas é: 1) associação sem fins lucrativos (maioria) e funciona como clubes sociais a atuar com diversos outros esportes, com destaque para o futebol, ou atua somente com o futebol, ou só com esportes olímpicos. Esse modelo associativo caracteriza-se pela complexidade organizacional, por predominância política forte, é gerida por sócios não remunerados, há cargos diretivos indicados e sem remuneração, sendo só o 2º nível profissionalizado. Apesar de constar a nomenclatura “sem fins lucrativos”, não impede de ter lucros. É formado por dezenas de conselheiros (conselho diretor, deliberativo, fiscal, etc.) os quais possuem livre acesso e influência nos trabalhos de rotina de executivos e funcionários em geral, em que pese necessitar submeter à aprovação dos conselhos as matérias de maior complexidade e importância financeira estratégica; e 2) clube-empresa que, além de disputar campeonatos, é constituído com objetivo principal de formar/vender jogadores. Alguns são criados por marcas/empresas que colocam seus próprios nomes. Como particularidades, não possui eleição, todos os cargos diretivos são remunerados, e não há atividades sociais e nem outra atividade esportiva. Exemplos: Red Bull, Audax, Oeste, etc.

Dentro do objetivo que a entidade pretende atingir, ficará mais entendível o caminho a percorrer e o modelo de gestão cujo atenderá melhor os anseios do clube e as transformações cujas serão necessárias. No cenário brasileiro, destaco três movimentos ocorrendo:

1º) Transformar a figura jurídica do clube de associação para sociedade empresária que, neste caso, além da mudança radical cogente na cultura organizacional do clube, este, como passará a ser uma empresa, perderá os subsídios inerentes a uma associação sem fins lucrativos e ficará sujeito as tributações impostas ao novo formato jurídico. Também, caso a operação seja mal sucedida, fica suscetível à falência. Porém, como benefícios, terão mais facilidade de créditos junto a entidades bancárias, facilita as relações com parceiros, pode operar com capital aberto em bolsa de valores, enfim, isso tudo, claro, dentro de normas rígidas de transparência e fiscalização nos gastos;

2º) O clube/associação sem fins lucrativos pode fazer parceria com uma sociedade empresária para esta gerenciar, caso do modelo escolhido pelo Figueirense foi o de fazer parceria com uma empresa e esta gerenciaria o futebol, ou abrir um CNPJ empresarial para gerenciar o futebol, proposto pelo Botafogo/RJ, o qual vem passando por esse debate e o modelo dessa operação pretendida é de, já em 2020, o clube criar uma sociedade empresária S/A para ficar com o gerenciamento do futebol que, em resumo, a S/A seria formada por investidores, os quais constituiriam um fundo. As obrigações entre as partes se dariam da seguinte forma: o clube Botafogo passaria à S/A o Estádio, as Cotas de TV, o programa sócio torcedor, patrocínios. Em contrapartida, fica a sociedade empresária obrigada a pagar royalties por usar a marca Botafogo, ficando esse valor destinado ao pagamento das dívidas existentes anteriormente, que já atingem mais de 50% da capacidade de investimento. O que parece ser mais prudente, neste segundo modelo de transformação apresentado, é, caso opte por ele, o clube poderia deter o controle das ações e a administração da nova sociedade empresária e abrir a outra parte para parceiros interessados em adquirir ações. Ou, caso prefira terceirizar o gerenciamento do futebol, que seja bem observado o mercado e se identifique uma sociedade empresária capaz de operar no ramo em questão, além de entender e viver os problemas do clube para, por conseguinte, propor soluções viáveis. Caso opte pela transformação apresentada nesse item, normalmente, medidas administrativas são necessárias, a atender exigências das empresas parceiras e/ou acionistas, como a garantia da participação deles nos conselhos existentes nas entidades esportivas, sejam os (deliberativos, fiscais, administrativos) e até serem membros diretivos.

3º) Continuar figurando, juridicamente, como associação sem fins lucrativo, realizando uma transformação organizacional interna e o comprometimento coletivo com ferramentas de gestão que garantam ações eficazes e efetivas, para o bem (sobrevivência, em alguns casos) do clube, dentre elas, governança corporativa (o compliance), planejamento estratégico, plano financeiro, sustentabilidade e austeridade financeira e transparência. Se não houver um verdadeiro pacto político e grande união entre os membros da diretoria estatutária, conselheiros, sócios, torcedores, em geral, para filtrar as demandas e blindar os executivos, o esforço de implantar uma governança profissional poderá ser em vão. Com proteção ao trabalho dos executivos e obediência a processos internos bons frutos hão de surgir. Como boas experiências de transformação, nos últimos anos, o Flamengo, Bahia, Fortaleza, Grêmio, Chapecoense, Ceará, Palmeiras, Náutico, Athletico/PR.

Importante dizer que quaisquer das opções elencadas acima são possíveis de ser operadas a luz das normas vigentes, porém com obstáculos os quais ainda dificultam tais transformações. O anseio dos dirigentes das diversas entidades esportivas é que as mudanças legislativas prometidas abarquem maiores facilidades nessas necessárias modificações, sem prejuízos de direitos, garantindo incentivos fiscais e regramento específico na relação clube/jogador em matéria trabalhista. Seja pela continuidade do modelo associativo ou mudar para o empresarial, a expectativa é que as alterações legislativas venham a facilitar e melhorar o universo desportivo.

Por ora, quanto aos Projetos de Lei que tramitam na Câmara (PL 5082/2016) e no Senado (PL 68/2017), eles têm agradado a grande maioria dos clubes brasileiros. Em sentido contrário, o texto do anteprojeto (tido mais destaque, ultimamente) apresentado pelo Deputado Federal Pedro Paulo não tem contemplado os clubes, vide o relatório final da reunião ocorrida no último dia 03 (out/19), na CBF, e os pronunciamentos dos diversos clubes em audiência pública na comissão do Esporte/Câmara, presidida pelo Deputado Fábio Mitidieri (PSD/SE), no último dia 09 (out/19). O mundo jurídico também pontua diversas falhas no anteprojeto, entre outras, destarte para falta rigidez nas matérias que versam sobre gestão, finanças e governança e não prevê regulamentação das sociedades anônimas esportivas. Considera uma proposta limitada. Os juristas afirmam que os dois projetos de lei, acima citados, estão prontos, mais completos e formulados observando os princípios que norteiam o Direito Desportivo, com destaque ao princípio da autonomia esportiva. Foram elaborados por operadores do Direito (12) militantes do mundo desportivo, e conhecedores, a fundo, das matérias tributárias, fiscais e cíveis de entidades esportivas.

Por fim, aqueles clubes que almejam aprimorar seu modelo de gerir requer bastante atenção para não cair em ciladas. Percebe-se que não há formula mágica e nem modelo pronto. A natureza jurídica não é o mais importante e sim o compromisso coletivo para com a entidade esportiva e a utilização das ferramentas de gestão corretas. Seja optar pela continuidade do modelo associativo ou mudar para o empresarial o mais importante é a vontade política interna daqueles que estiverem à frente do processo, comprometendo-se com o histórico do Clube, em ouvir seus torcedores, entender e compreender as leis e suas propostas de alteração, observar o mercado, conhecer as experiências exitosas e, finalmente, definir e ter a coragem de executar. Como tarefas essenciais, utilizar ferramentas cujo modelo de gestão precisará estar alicerçado: planejamento estratégico, plano financeiro, governança corporativa, austeridade e sustentabilidade financeira e transparência. No mais, sucesso na transformação. As mudanças, para melhor, sempre são bem vindas.

Saulo Aragão Santana é Advogado, Administrador, Pós-graduado em Direito do Estado, especializações em Direito Desportivo, Direito Público, Direito do Eleitoral, Direito Tributário e Planejamento Organizacional, além de também atuar com Direito Cível, Previdenciário, Consumidor, Saúde, Contratos, Imobiliário, Trabalhista, entre outros.

e-mail: saulo.advogado@yahoo.com.br
Linkedin e Facebook: Saulo Aragão Santana
Instagram: @sauloaragaosantana
Twitter: @sauloaragao





Comentários

  1. Mano velho.... muito boa sua redação... gostei muito. Realmente tem muita coisa pra definir e muito a acertar. Se vc observar bem tudo tem sido uma loteria no que se refere a Gestão de Futebol, muito embora algumas coisas estarem já sedimentada como a contemplação por mérito para os clubes que conseguem resultados recentes, mas tem um desprezo absoluto à entidades históricas, um tanto diferente do que acontece na Europa. O Brasil é muito grande, tem muitos clubes e milhares de profissionais que vivem disso, mas a poltica da CBF é asfixiante e tem matado os peixes menores. Mas, esquecem de uma coisa.... são os peixes pequenos que alimentam os grandes, e se o pequeno morrer, o grande tb morre.

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    1. Obrigado , Zé!
      Nesse cenário apresentado por você, só caberá aos "peixes pequenos", ainda mais, organizar-se internamente, olhar pra dentro e focar nos seus pontos fortes, identificar as oportunidades e agarrá-las, isso sem menosprezar os pontos fracos e ameaças. Não há milagres! É trabalhar! #Planejar

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  2. Um modelo que me parece interessante é o do Bahia. Mas não conheço com precisão. Mas só o fato de o gestor ser remunerado e dedicação exclusiva me parece sadio.
    No passado, eles "terceirizaram" o futebol. Foi quando rebaixaram pra C. Pelo q me parece, voltaram a ter o futebol dentro do modelo de associação. Mais recentemente teve uma mudança no estatuto, principalmente mexendo na administração e tal.
    Acho que é um exemplo a se observar, guardada as proporções e o contexto em si

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    1. Sim. Um excelente exemplo a ser seguido. Enquadra-se no 3º movimento elencado no texto.

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